Antom Laia López (Melide 1956)
ESSE MAR
esse mar
na amanhã que deita
devasto-me no recôndito
das tuas águas côncovas e
devoro e amo
abalando o salitre
até entrar na furnaAntom Laia López
dos desejos que enervam
ebriedades verdes
alí no interior do fruto
madurado
esse mar
na amanhã que deita
devoro e amo
até entrar na furna na
que enervam
os desejos no interior do
fruto amadurado
esse mar
devasto-me no recôndito
das tuas côncovas águas
CHUVA DE SANGUE
Chove. A chuva desangra
nos olhos
vermes
Gentes a pedir o pam
nosso de cada
día, o pam noso de cada día
Verten-se pingas nas
cloacas da miséria
e a cidade pecha as
janelas do ódio
Nos lombos
um furor de mar na
escuridade penetrando
nos sonhos
e ninguém olha o topejar
dos pássaros
A chuva fai-se geo
contíguo no
decorrer indiferente da
fame
e o sangue calha-se tépedo
na tarde que morre rutilante
Gentes a pedir o pam noso
de cada
dia:
cospen os volcáns pus de
soberba
morrem os sonos na janela
do ódio
E NINGUÉM OLHA O
TOPENEJAR DOS PÁSSAROS
MINHA VARINHA DE ABRAIRA
hoje só um bocadinho dum
poema abraira
um pau, umha vara que fai
liscar os ofidios
já mo dizia a senhora Helena
estava alí, ao pé do
valo,
queda esperando-me
hoje o poema só é um bocadinho de árvore
MERGULHO A BOCA
desta profunda alegria andar-me
a alma contigo
J.SARAMAGO
DESTA profunda alegria
pousar-me em ti desnudo
livre de roupas na manhã
que me trae o frescor do ar
entre ventiscas de
esperas
DESTA profunda alegria na
que mergulho a boca como
o lume que queima os
degaros das arelas que revivem
livres nos lábios
(Do
libro E na gaveta um fardel de palavras, editado por Editora
Urutau, 2021)