JOÃO
MANUEL RIBEIRO (Oliveira de Azeméis. Portugal. 1969)
SE
EU DE TI NÃO ME TRICOTAR
Ontem
não tive tempo de ler-te os versos sosegadamente
a
noite ardilosa pariu o cansaço eu fiquei a ver-te
desmurar
a cal da folha branca e a entorpecer as sílabas
tu
és um país de mel e eu vivo longe em exílio
os
poemas em que me sento são canções de saudade e desejo
nas margens desta babilónia seja de cinza
e perdição
este meu exílio se eu de ti não me
tricotar
MAIS
CORTANTE DO QUE QUALQUER FACA
Reclino-me no silêncio que puseste à
cabeça
e
estendo as mãos para um qualquer murmúrio que te pesa
dizes devagar os sentidos
inverso modo de desaguar a dor
a
vida assim é mais cortante do que calquer faca
sobre a cor branda dos días.
TRAVESSIA INVISÍBEL
Prepara a travessia invisível dos frutos
dentro de quem nasce, mesmo se nada
acontece
de transparente no amâgo da luz.
O rumor do silêncio atravessa a matéria
com que o poeta ceifa os días fugazes.
Lembra
o chão onde cresceu a efémera flor
da paixão respira o perfume da terra
intenso
cultivo de soluços e temperanças
entrega
os braços à faina dos gestos maduros
põe os pés na aridez do deserto quente
e
desamarra os desejos da água e das fontes
morre semente bravia rente ao coração
e renasce na dádiva simples e quotidiana