sábado, 22 de julio de 2017

ESCAPARATE POÉTICO (CVI) Mário de Sá-Carneiro










                      MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO  ( Lisboa, 1880 – París, 1916)






O RECREIO

Na minh´Alma um balouço
que está sempre a balouçar-
balouço á beira dum poço,
bem difícil de montar…
Mário de Sá-Carneiro

-E um menino de bibe
sobre ele sempre a brincar…

Se a corda se parte um dia,
(e já vai estando esgarçada),
era uma vez a folia:
more a criança afogada…

-Cá por mim não mudo a corda
seria grande estopada…

se o indez more, deixá-lo…
mais vale morrer de bibe
que de casaca…Deixá-lo
balouçar-se enquanto vive…

-Mudar a corda era fácil…
tal ideia nunca tive…




VISLUMBRE
 
A horas flébeis, outonais-
por magoados fins de dia-
a mina Alma é agua fría
em âmforas d´Ouro…entre cristais…





SUGESTÃO


As companheiras que não tive,
sinto-as chorar por mim, veladas,
ao pôr do sol, pelos jardins…
Na sua mágoa azul revive
a mina dor de mãos finadas
sobre cetins…

Co seu amigo Pessoa





COMO EU NÃO POSSOU


Olho em volta de mim. Todos possuem-
um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para min as ânsias se diluem
e não possuo
mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoría
dos espasmos golfados ruivamente;
são êxtases da cor que eu fremiria,
mas a minh´alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei…perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
falta-me egoísmo para ascender ao céu,
falta-me unção para me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Para o ser
forçoso me era antes possuir
quem eu estimase- ou homem ou mulher,
e eu não logro nunca possuir!...

Castrado d´alma e sem saber fixar-me,
tarde a tarde na minha dor me afundo…
-Serei um emigrado doutro mundo
que nem na minha dor posso encontrar-me?...




(Do libro Poesía completa, editado por Renacimiento, 2016)