viernes, 27 de octubre de 2017

ESCAPARATE POÉTICO (CX) João Manuel Ribeiro






                 JOÃO MANUEL RIBEIRO (Oliveira de Azeméis. Portugal. 1969)






SE EU DE TI  NÃO ME TRICOTAR

João Manuel Ribeiro


Ontem não tive tempo de ler-te os versos sosegadamente
     a noite ardilosa pariu o cansaço eu fiquei a ver-te
desmurar a cal da folha branca e a entorpecer as sílabas
     tu és um país de mel e eu vivo longe em exílio
os poemas em que me sento são canções de saudade e desejo
     nas margens desta babilónia seja de cinza e perdição
       este meu exílio se eu de ti não me tricotar







MAIS CORTANTE DO QUE QUALQUER FACA


       Reclino-me no silêncio que puseste à cabeça
e estendo as mãos para um qualquer murmúrio que te pesa
               dizes devagar os sentidos
          inverso modo de desaguar  a dor
      imagino tantas vezes a morte dinamitada
a vida assim é mais cortante do que calquer faca
                  sobre a cor branda dos días.







TRAVESSIA  INVISÍBEL


     Prepara a travessia invisível dos frutos
     dentro de quem nasce, mesmo se nada
acontece de transparente no amâgo da luz.

     O rumor do silêncio atravessa a matéria
   com que o poeta ceifa os días fugazes.





Xulio García Rivas. "Paisaxe II". Acrílico
SEMENTE BRAVIA


Lembra o chão onde cresceu a efémera flor
       da paixão respira o perfume da terra
intenso cultivo de soluços e temperanças
entrega os braços à faina dos gestos maduros
     põe os pés na aridez do deserto quente
e desamarra os desejos da água e das fontes
     morre semente bravia rente ao coração
   e renasce na dádiva simples e quotidiana






(Do libro Notícias fugazes do amor, editado por Busílis. 2016)



Ilustración de Gabriela Sotto Mayor