viernes, 16 de abril de 2021

ESCAPARATE POÉTICO (CXXVI) Antom Laia López


 


                                              Antom Laia López  (Melide 1956)

 

 

ESSE MAR

 

esse mar

 

na amanhã que deita devasto-me no recôndito

das tuas águas côncovas e devoro e amo

abalando o salitre

 

até entrar na furna

Antom Laia López

 

dos desejos que enervam ebriedades verdes

alí no interior do fruto madurado

 

esse mar

 

na amanhã que deita devoro e amo

até entrar na furna na que enervam

 

os desejos no interior do fruto amadurado

 

esse mar

 

devasto-me no recôndito das tuas côncovas águas

 

 

 

CHUVA DE SANGUE

 

 

Chove. A chuva desangra nos olhos

vermes

Gentes a pedir o pam nosso de cada

día, o pam noso de cada día


Verten-se pingas nas cloacas da miséria

e a cidade pecha as janelas do ódio

 

Nos lombos

um furor de mar na escuridade penetrando

nos sonhos

e ninguém olha o topejar

dos pássaros

 

A chuva fai-se geo contíguo no

decorrer indiferente da fame

e o sangue calha-se tépedo

na tarde que morre rutilante

 

Gentes a pedir o pam noso de cada

dia:

cospen os volcáns pus de soberba

morrem os sonos na janela do ódio

 

E NINGUÉM OLHA O TOPENEJAR DOS PÁSSAROS

 

 

MINHA VARINHA DE ABRAIRA

 

 

hoje só um bocadinho dum poema abraira

 

um pau, umha vara que fai liscar os ofidios

 

já mo dizia a senhora Helena


estava alí, ao pé do valo,

queda esperando-me

 

hoje o poema só é um bocadinho de árvore


 paucinho de abraira que me acompaña na tarde

 

 

MERGULHO A BOCA

                                        desta profunda alegria andar-me

                                                    a alma contigo

                                                     J.SARAMAGO

 

 

DESTA profunda alegria pousar-me em ti desnudo

livre de roupas na manhã que me trae o frescor do ar

entre ventiscas de esperas

 

DESTA profunda alegria na que mergulho a boca como

o lume que queima os degaros das arelas que revivem

livres nos lábios

 

 

(Do libro E na gaveta um fardel de palavras, editado por Editora Urutau, 2021)