MÁRIO
DE SÁ-CARNEIRO ( Lisboa, 1880 – París, 1916)
O
RECREIO
Na
minh´Alma um balouço
que
está sempre a balouçar-
balouço
á beira dum poço,
bem
difícil de montar…
Mário de Sá-Carneiro |
-E
um menino de bibe
sobre
ele sempre a brincar…
Se
a corda se parte um dia,
(e
já vai estando esgarçada),
era
uma vez a folia:
more
a criança afogada…
-Cá
por mim não mudo a corda
seria
grande estopada…
se
o indez more, deixá-lo…
mais
vale morrer de bibe
que
de casaca…Deixá-lo
balouçar-se
enquanto vive…
-Mudar
a corda era fácil…
tal
ideia nunca tive…
VISLUMBRE
A
horas flébeis, outonais-
por
magoados fins de dia-
a
mina Alma é agua fría
em
âmforas d´Ouro…entre cristais…
SUGESTÃO
As
companheiras que não tive,
sinto-as
chorar por mim, veladas,
ao
pôr do sol, pelos jardins…
Na
sua mágoa azul revive
a
mina dor de mãos finadas
sobre
cetins…
Co seu amigo Pessoa |
COMO
EU NÃO POSSOU
Olho
em volta de mim. Todos possuem-
um
afecto, um sorriso ou um abraço.
Só
para min as ânsias se diluem
e
não possuo
mesmo
quando enlaço.
Roça
por mim, em longe, a teoría
dos
espasmos golfados ruivamente;
são
êxtases da cor que eu fremiria,
mas
a minh´alma pára e não os sente!
Quero
sentir. Não sei…perco-me todo…
Não
posso afeiçoar-me nem ser eu:
falta-me
unção para me afundar no lodo.
Não
sou amigo de ninguém. Para o ser
forçoso
me era antes possuir
quem
eu estimase- ou homem ou mulher,
e
eu não logro nunca possuir!...
Castrado
d´alma e sem saber fixar-me,
tarde
a tarde na minha dor me afundo…
-Serei
um emigrado doutro mundo
que
nem na minha dor posso encontrar-me?...
(Do
libro Poesía completa, editado por Renacimiento,
2016)